Às vezes é o sentir as pernas suspensas - sem
chão onde pisar - e a falta de ar que a pressão da profundidade exerce sobre o
peito que magoa, aleija, que nem beliscão. Nem todos chegam a ver a boca escura
do mundo que se abre nos lugares que só os famintos de caminhos certos
conhecem. Quase ninguém chega a entrar nela e a ter de habituar os olhos ao breu,
e ao não saber onde colocar os pés. E ao suster de respiração a cada passo
incerto. Muitos poucos saem de lá em esforço para se habituar à luz que pica
nos olhos. Os que lá permanecem - sedentos de caminhos que levem até à porta - deixam
de saber o que é a luz. A luz passa a ser apenas a sensação de picar nos olhos
e desaprende-se o respirar, o ver claro. O pôr os pés que não no vazio. E
passa-se a saber apenas caminhar com as mãos a tocarem em paredes húmidas, a
ver com as pontas dos dedos. E a colocar os pés nos degraus em abismo súbito. A
gritar por ajuda, em silêncio, aos deuses sem olhos. A respirar sem libertar o
ar que está lá dentro. A habituar os pés ao ar que gravita no subsolo, perto do
inferno escuro, ao fundo do corredor ao qual se acede por essa escura boca que
se abre no fim mundo.
(Fonte da imagem: http://www.deviantart.com/art/I-feel-the-darkness-287119576)