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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A minha nostalgia tem sentido (s)


Ouve-se, vê-se, cheira-se, saboreia-se e quase se pode tocar…

É o ranger desse chão envelhecido que calco com os pés em palmilhas, nas minhas memórias, pequenos, só lhes vejo as pontas redondas, aconchegadas nas meias caneladas. Os gritos dessas dobradiças teimosas, que insistem em deixar as frinchas abertas para que eu possa espreitar. O bulício abafado pelas paredes e os risos distantes que ecoam na minha mente. 

Os corredores escuros e os quadros envelhecidos pela humidade e a inconstante luz do sol… e o resplendor daquela janela virada ao mar. O cheiro a naftalina, o da terra molhada do pinhal e a maresia que corria nas noites abafadas do verão, odores juntos que se transformam em perfume distinto… o aroma das minhas memórias…. O cheiro a café que se extingue no ar, junto ao do pão quente, acabado de fazer e de benzer. E o paladar dos maracujás que arrancávamos ambiciosamente da sua planta, como se de estranha e limitada iguaria se tratasse.

A sensação de que tudo e todos são maiores do que nós, alcançam o inalcançável, roçam o intangível e chegam aos lugares mais remotos. De quando em vez, o vazio na barriga de quando nos tomavam nos braços e nos atiravam ao etéreo… Ia jurar que voei, mas que o ar me trouxe de novo para baixo. A sensação de coragem, que se foi perdendo e a certeza infundada de que aquilo seria só o começo, as primeiras páginas esboçadas de um conjunto de imagens estáticas que vamos guardando, em jeito de livro de recortes, das memórias que fomos e vamos fotografando.  



Eight Senses by Peter Dranitsin
Fount: Fineart America

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Em ato de contemplação

Faz frio... e, enquanto vejo o bafo exalar da boca, ouço a conversa que tenho comigo mesma. Há muito que já não falava comigo, para dentro, em voz baixa ou em surdina com a minha mente ou com a alma que trago. Estamos sós, ouve-se o ranger das palavras e o ruído dos pensamentos que não contemos. Já não te via há muito tempo e, desde da última vez que te falei, as respostas eram diferentes. Altercavas por demais, ó alma, agora sossegaste, quase passaste de espírito a gente, como se a vida te amestrasse, que nem leão amarrado nessa jaula que não te deixa sair para lá do espaço cercano, cárcere onde, enfim, todas as essências como a tua acabam fechadas. Escapa-se uma, de quando em vez, e toma a pessoa que a transporta, mas é raro que tal aconteça. Guardam esses ânimos cães de três cabeças… Coisas assim não podem sair à rua, é essencial que se calem, lá dentro das pessoas que as trazem. Não te cales portanto, ó alma, não deixes que eu própria te asfixie de vez… 




quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Magias de novidade


Foi como que uma epifania, ver-te ali, debruçado sobre o teu trabalho, e voltar-me a apaixonar por tudo aquilo que já esquecera, ou que simplesmente, passava despercebido, pela tua permanência. Como o livro que já foi ganhando pó na estante. Também me apaixonei por ele, em tempos, mas terminei-o e deixei ao abandono de si próprio, sem que o abandonasse definitivamente, por que ali permanece inanimado, preso em si mesmo e na sua matéria, dando-me permissão para voltar a ele e rever o que me fez colhe-lo de uma qualquer prateleira de livraria.
Ganhaste, subitamente, magias de novidade, o teu cheiro familiar parecia-me diferente, a forma como te moves com gestos diminutos, subitamente, parecia-me reinventada e o teu olhar atento, aposto a mim, que te olho deste canto, parece-me, então, dotado de um brilho que nunca te vira trazer. Como se transportasses uma alma que diferia da imagem, já pouco lúcida e esborrada que tinha de ti, porque a tua constante presença não me obriga a guardá-la mais lúcida. Sim, mas estas imagens refratárias, que guardamos, fazem falta, quando vamos no comboio e queremos recordar, simplesmente recordar, por conforto ou simples passagem do tempo. Hoje a tua imagem ganhou uma cor especial, os teus trejeitos foram gravados para futuros devaneios, o som da tua voz ganhou outra força e a forma como concurvadas se deitam as tuas costas sobre a mesa, fizeram-me apaixonar por ti novamente… esquecera-me de ti e dos teus pequenos gestos antes de me enamorar pela segunda vez. Vou voltar a guardá-los, não negligenciá-los, para que nunca me esqueça por que te amo.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Bancos de pedra


Eram bancos de pedra irregulares, cinzentos e frios onde nos sentávamos tão desapegados da ideia de desconforto que esses agora nos trazem, porque nos fazem quase doer o espírito de tão martirizados com as irregularidades que nos cravam no corpo, mas que ainda assim, não superam a dormência das pernas extenuadas. Devemos ter andado uns bons metros em subida acentuada e caminho íngreme que nos fazia, a cada passo mais negligente, torcer os tornozelos em cambaleio atrapalhado. Quando éramos pequenos, de corpos escanzelados, com fome dos chocolates que nos vinham à ideia mas que nunca nos compravam, não havia inércia que nos batesse, subíamos em corrida fervorosa, invalidando sempre quem a vencia e humilhando o “ovo podre” que não havia reunido agilidade suficiente. Costumava ser eu a última, mas não me importava, era tudo uma brincadeira e queríamos era alcançar aqueles bancos, os cinzentos de pedra e frios, que, agora que estávamos próximos, depressa se alteravam. Em caos de voz dissonante, como quem discute, mas não leva nada a peito, crianças que éramos, questionávamo-nos, como se de arte abstrata se tratasse, em que realidade alterna, se tornaria hoje o banco. Seria um trono real? Seria a bancada da cozinha? A cama de um urso ou o leito de morte uma princesa que não morria efetivamente? Tantas vezes foi coisa diferente, aquilo que não passava de um banco e que hoje nos incomoda, tampouco nos afaga as dores nas pernas, destronadas pela subida efémera que, naquele tempo, quando éramos feitos de recheio de felicidade espontânea, era um ataque às fortalezas alheias, do qual saíamos sempre em vitória irrefutável, sem mácula, sem mágoa ou arranhão. 

Numa escassez de tempo do qual perdemos conta e a noção da sua passagem, como se corrêssemos saltando barreiras até aos dias em que nos encontramos agora, perdemos a visão e as magias de novidade que todo o objeto, ser vivo ou realidade transportavam e a polivalência a que cada um cabia. Tomou-nos uma cegueira seletiva, formatada, que apenas nos deixa ver a realidade da utilidade das coisas, dos humanos e das árvores, para lá da sua utilidade, nada existe, nada nos interessa e não é mais do que isso, tal como as palavras que ouvimos, lemos ou lembramos não passam de mensagens e recados em jeito de lista de compras ou ladainha decorada. As coisas são o que são e valem apenas por isso… Pensar para além deste conceito, é próprio das crianças e dos loucos e ainda bem que ainda os há, aos dois…





 Fonte da Imagem: http://browse.deviantart.com/?order=9&q=stone+bench&offset=72#/d17qnht

quarta-feira, 21 de março de 2012

Emocionalmente incompetentes


Nos últimos tempos, muitas foram as vezes que dei comigo a pensar que, em tantos aspetos, o humano tem vindo realmente a evoluir, porém, cada vez fico mais convicta de que esta evolução não tem colmatado no progresso esperado. A crise económica e a perpetração das desmesuradas diferenças sociais, a crise da empregabilidade e a escravidão ainda dissimulada, as desigualdades, as diferenças e, pior que tudo, a insensibilidade, são a materialização dessa minha suspeita.
Se certo é que, aos animais cabe ferir o inimigo por razões mais irracionais que à complexidade humana não são compreensíveis, essa é justificável porém. Já aos humanos, que se vangloriam da exclusividade da sua capacidade intelectual, das suas competências, das suas emoções, das sua razão e das restrições morais, não assiste aquela brutalidade do mundo selvagem, pois o lóbulo frontal do cérebro responsabiliza-se habilmente pela empatia quase que automática que nutrimos quando vemos um pai a abraçar orgulhosamente o seu filho, quando um mendigo nos alcança e pede ajuda, quando um ente querido nos sorri e quando um amigo sofre. Pois, no entanto, parece-me que a sociedade nos foi mutilando, estamos cada vez mais emocionalmente incompetentes, porque sentimos uma necessidade urgente de nos provarmos diariamente perante pessoas, entidades e um sistema para os quais somos meros números que não mais fazem do que manter a máquina em funcionamento. Essa necessidade, essa obrigação corrompeu-nos inevitavelmente e somos diariamente consumidos por essa tarefa.
Antes fomos um bairro, um bairro onde procurávamos no vizinho um ombro, onde partilhar um punhado de sal não consistia numa dívida externa e onde o sorriso e a entreajuda consistiam nos mais usuais métodos de pagamento. Somos agora fábricas onde se produzem futilidades, indiferenças, sorrisos amarelos e “deixem-me em paz”. Saímos dessa fábrica entorpecida e cinzenta sem olhar a paisagem que, perante isto, já não é vaidosa e já só se veste de negro e betão. Chegamos a casa para os deveres domésticos serem completados com o mesmo método que o trabalho até então. Agarramo-nos aos bens materiais, ao carro topo de gama, à casa onde dois não chegam para superar o eco para que, assim, o vazio das verdadeiras aquisições, seja completado.
            E num tempo onde quase todos os que conhecemos têm acesso aos mais variados meios de comunicação, telefones, redes sociais, chats, telemóveis, as pessoas alienaram-se, calaram-se e o som que se ouve quando se abrem as janelas é o dos efémeros choros abafados, gritos mudos e silêncios ensurdecedores. Não se discutem mais do que os dias, nada mais do que palavras banais que se dirigiriam aos mais perfeitos estranhos. Tornamo-nos desconhecidos todos, aos olhos uns dos outros, mantemos as formalidades como que a dar uma ideia errada de consistência na evolução humana. Cada vez mais egocêntricos, cada vez mais individualistas, cada vez mais fechados no espaço que é nosso, não deixando, por medo ou falta de razão, escapar as nossas ânsias, as nossas preocupações, os nossos medos, as aflições até que, enfim, nos transformamos nelas.
            Curioso saber que há séculos e séculos atrás, o Homem, sem acesso às tecnologias de que hoje dispomos, sem acesso a meios e formas de comunicação tão diversos quantos o que inundam os nossos lares, menos evoluídos, supostamente, com um milhão de realidades por desvendar, ainda nos conseguem dar ensinamentos valiosos sobre o que, a mim, me parece um dos problemas mais reais da sociedade dos nossos dias - a alienação e a subsequente negligência que vamos partilhando com os nossos entes queridos, com os amigos, com os colegas, com os necessitados e até mesmo com o estranho que nos entrega a xícara do café. “A amizade é uma suma harmonia nas coisas divinas e humanas, com benevolência e amor. Dons tão grandes, que não sei se os Deuses concederam (exceto à sabedoria), outro maior aos mortais. Preferem uns a riqueza, outros a boa saúde, outros o poder, outros as honras, e, muitos, os prazeres. Estes últimos são só muito próprios das bestas, e o outro caduco e perecível, dependente não do nosso arbítrio, mas da inconstante fortuna”, dizia Cícero, mas parece-me que a empatia se foi sumindo, sofremos de falta de amigos e, como tal, somos cada vez mais infelizes e é sempre mais cómodo tentar desviar o olhar da tristeza dos que nos rodeiam, como se encarássemos com alguém que preferiríamos não ver e fingimos um olhar distraído.
            Tenho saudades da amizade primitiva, da relação forte estabelecida, da lealdade, dos pactos de sangue, das tertúlias, dos clubes, das senhas, das brincadeiras à hora marcada, dos choros e das angústias sempre respondidas… Não sente o leitor saudades de sair porta fora e saber quem é o vizinho que se atravessa?
            Somos um povo solitário, que deambula na sua própria escuridão e se esconde para não ver o caos e a penumbra que se estendem lá fora, os nossos olhos já não estão habituados à luz e, portanto, ninguém pode brilhar. Nunca fez tanto sentido o ditado, mas continuo a preferir estar acompanhada do que percorrer este caminho tão sombrio só.
Tenho ainda saudades das cartas, do que a palavra escrita, a falta e a distância operavam no processamento daqueles vocábulos soltos compostos em jeito humilde de texto. Fazia-nos a estranha impressão de que necessitávamos mais uns dos outros, porque de facto, não estávamos lá em modo ausente num chat qualquer. A amizade é o sentimento mais revelador da capacidade empática de qualquer humano, entregarmo-nos a uma é quase tão sério como assumir um grande amor, mas não há relação mais benéfica e proveitosa e nada mais precioso do que ter um verdadeiro amigo. “Que coisa tão doce como ter um com quem falar de todo tão livremente como consigo mesmo? Seria porventura tão grande o fruto das prosperidades, se não tivéssemos quem delas se alegrasse, tanto quanto nós mesmos? E se poderiam sofrer as adversidades sem alguém que as sentisse ainda mais que aqueles  mesmo que as experimentaram?”
 Ligue ao seu amigo, escreva-lhe uma carta, segrede-lhe uma confidência, dê-lhe uma palmada suave nas costas, disponha o seu ombro, receba um sorriso e saiba que não está só.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tendão de Aquiles


Já perdi a conta às vezes que escrevi acerca deste assunto, mas acabo sempre por me surpreender pela fala de humanismo dos outros, principalmente numa época em que tão pouco nos valemos a nós próprios. Quantas vezes ouvi a minha mãe dizer-me para ter cuidado em quem confio, que amigos, há poucos e eu não lhe dava ouvidos? Vivia absorvida na turbulência hormonal da adolescência e fixada numa visão extremamente romântica e cinematográfica do mundo. Há sempre finais felizes e as pessoas são irremediavelmente boas até que me provem o contrário. Ora, é certo que, com o passar dos tempos, aquelas palavras sádicas da minha mãe, se foram revelando reais. Ainda assim, parece que olho em volta e continuo a ver o mesmo mundo pintado em tons de rosa que via na altura. Errada, estive sempre errada e custa-me muito admitir, porque preferia viver na minha ingenuidade pacífica e indolor, que me alienava, certo é, mas que me protegia.

Fui crescendo e muitos dos que fui considerando mentores, foram repetindo as palavras que já ouvira, mas de forma mais erudita e fundamentada. Ainda assim, como se de um procurador para a defesa da índole humana me tratasse, travei argumentos comigo própria para me convencer que o mundo não seria um lugar tão selvagem quanto diziam nem as pessoas que nele habitam agiriam com tal ferocidade. Errada outra vez, porque contra factos não há argumentos plausíveis que resistam, continuei esta minha viagem, ainda que um pouco menos crente no que, em torno de mim, restava de calor humano. Resisti, recuperei a esperança pelos que de nós restavam, acreditei nos sorrisos, nas palavras doces e na cor que voltavam a colocar no meu mundo… e agora, que ele tornou a ficar mais cinzento, foram-se os sorrisos, foram-se as cores, ficaram as trinchas e os pincéis desalinhados, resta-me a mim pintar o mural que fui esboçando. 

Nunca me esquecerei de uma reflexão que repetirei sempre e que se tem provado, invariavelmente, verdadeira. O Humano apenas age com interesse, nunca por motivação. Ele atua tendo por fim a sua própria satisfação, quer seja essa física ou emocional. Portanto, a amizade é débil e a invenção mais efémera de uma sociedade, porque esta só existe e resiste enquanto servir os interesses dos envolvidos… Quantas vezes já preferi eu ter passado uma vida isolada do que me aperceber que não fui mais do que nada para as pessoas que me rodearam.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O vazio

Sentar-me em serenidade na beira da varanda e olhar a paisagem com noção de infinito. Deixo de perceber a profundidade e a visão lateral e olho apenas sem destino, para o infinito que se impõe na linha que divide o etéreo e o marítimo. Olho, porque me recuso a pensar, mas embrenhada nesta tarefa infrutífera, não deixo de sentir. Sinto a agonia que em mim se abate, a noção de que caminhamos, mas estamos inevitavelmente sós, a noção de que lutamos, mas sempre, corpo a corpo, a ideia de que caímos e que nos erguemos sobre os nossos próprios joelhos e a inevitabilidade das lágrimas que escorrem pelo rosto e que, invariavelmente, nós próprios limpamos com uma manga já rasgada pelo percurso. Fica agora a certeza que, quando enfrentamos o verdadeiro abismo, poucos são os que se arriscam a cair connosco, e são muito parcas as mãos que nos agarram. Nunca, mas nunca estivemos tão sós… E entre mim e esse infinito que vislumbro, o vazio...e a necessidade de continuar o caminho. 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Sonhos simples e ambições puras

Novamente o vocábulo sonho. Utilizo-o muito, bem sei, mas talvez porque o plano onírico me pareça, agora, e mais do que em tempo algum, mais agradável e até palpável do que a realidade para a qual acordo diariamente. Parece que deambulamos vagamente por um pesadelo à moda de um qualquer filme de terror hollywoodesco. Corrupção à esquina, agonia a cada passo e o iminente sentimento de medo e de angústia que nos segue e que nos toma. No futuro, mesmo no mais próximo, apenas a dúvida, ou a breve certeza de que aquele não se avizinhará melhor e, do amanhã, não muito a dizer, a não ser que, caso exista, será um dia, talvez como os outros, repetido à conta de rotinas que forçamos para que nos sintamos vivos ou sobreviventes.

Eis que a noite espreita, o silêncio, a passividade de um mundo que já dorme lá fora destas portas e janelas. A certeza de que o caos cessou e que ultrapassamos, ainda que fatigados, mais uma batalha. Por enquanto poderemos repousar, mas o nascer do sol trará um novo dia, uma nova indefinição, mais incertezas e novas angústias. E é nos sonhos, no espaço que tomam nessa noite, que procuramos uma nova oportunidade de encontrar os lugares onde fomos já felizes, os momentos que aspiramos e as ambições tão puras que carregamos nos nossos ombros e que a realidade não nos permite concretizar... É nesse momento, na altura em que acordamos das nossas ficções, que os sonhos e ambições deixam de ser conceitos aprazíveis, para se tornarem em duros fardos, dos quais, simplesmente, não nos queremos livrar. Pois, pelo menos nesses lugares,não somos reduzidos à condição de mortos-vivos que este nosso pesadelo tão vívido nos transformou.

Foto por: Medeia

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ano novo... desejos novos

Eis que se aproxima o término de mais um ano, ainda jovem, este milénio, mas já com tanta tinta escorrida a marcar história. À imagem de amos anteriores, é tradicional olhar retrospetivamente para o ano que nos deixa, analisar as conquistas, as perdas, as desilusões e as alegrias de forma a definirmos um esboço para o novo ano que se aproxima. Resoluções de novo ano, desejos, necessidades são então entoados, em uníssono, com as doze badaladas do dia trinta e um.
Num ano em que assistimos a escândalos políticos, presenciamos também um casamento real. Num ano em que a fúria da Natureza nos trouxe tragédias como terramotos, inundações e maremotos, mais um avanço na cura para a o HIV foi feito. Num ano em que a pobreza aumentou significativamente, um pouco por todo o mundo, a ajuda humanitária atingiu níveis históricos.
Terminado um ano assim, nós que temos a possibilidade de cumprir todos os rituais que cabem à data, resta-nos subir às cadeiras, agarrar num punhado de uvas passas para as engolir resignadamente enquanto, em frações de segundos, planeamos um novo ano, independentemente dos desígnios desse tão imprevisível destino.  
Perante o que vivenciamos no ano que agora termina, julgo que nos cabe olhar os tempos vindouros com um relativo otimismo. Carpe diem: aproveitar cada dia, como se fosse último, mas esperando sempre o dia de amanhã e acreditar, piamente, que, depois da tempestade, surge sempre a bonança. Sabedoria popular ou conhecimento empírico, a verdade é que, a cada ano que por nós passa, inúmeros são os motivos que nos levam ao chão: desastres, tragédias, perdas pessoais, insucessos, instabilidades, mas certo é que, como tudo no Universo, dos planetas, aos astros, nada é eterno e a temperança surge sempre com o seu natural efeito catártico, limpa-nos a alma e torna-nos resilientes para enfrentar novas lutas e obstáculos.
É certo que, tal como muitos de nós, olho para o ano que passa e relembro um ano especialmente árduo, custoso, cheio de dúvidas, complexo e até mesmo triste, mas certo é que estamos a terminá-lo sem que tenhamos sido vencidos. É portanto, natural, que entremos, relutantes no ano de 2012, mas, visto que já tomamos um ano como exemplo, enfrentemos os próximos dias conscientes da dificuldade que encararemos, mas crentes que poderemos operar a mudança e alterar o nosso próprio destino. Parte de nós fazer com que 2012 seja um ano bem mais positivo, apesar da austeridade, corrupção, promiscuidade ou ilusão. 
Por isso, este ano não peço uma casa, um carro ou dinheiro. Se voltarmos às nossas raízes, ao âmago de quem fomos outrora, aos nossos instintos mais básicos, saberemos que a resolução para estes tempos está no altruísmo que possuímos. Se partilharmos, seremos menos os desfavorecidos. Se sorrirmos, serão menos os deprimidos. Se auxiliarmos, serão menos os incapacitados. Se dermos, será menor a necessidade. Se olharmos para o lado, serão menos os solitários. Se perdoarmos, serão menos os julgados. Se lutarmos, serão menos os oprimidos. Se nos unirmos, seremos mais. Se mantivermos o otimismo, seremos fortes. Se operarmos a mudança, seremos imortais. Se formos criativos, seremos mais dotados. Se amarmos, certamente seremos retribuídos.
Correndo o risco de, por superstição, aqueles desejos não se concretizem pela exposição de que foram alvo, ainda assim partilho-os aqui, para todos os que quiserem copiar. Porque são desejos meus, mas universais, que não se desgastam ou terminam e inevitavelmente, tornam um mundo cinzento num lugar mais belo e propício a habitar.



terça-feira, 20 de dezembro de 2011

As calinadas do Coelho


Assistia eu, ontem à tarde, ao programa “Eixo do mal”, quando, mesmo antes do genérico, os nossos caros convivas passam o mediático vídeo do nosso Primeiro Ministro a incentivar a população de professores desempregados a abandonar o país. Pronto, vamos ser sinceros, após alguns segundos de silêncio de estupefação, ainda na esperança de vir a aperceber -me de que, afinal, era uma brincadeira de mau gosto… cheguei à conclusão que não era.

Ora, acerca deste assunto, já correu muita tinta e ainda correria bastante mais da minha parte se eu, como professora na iminência de abandonar o meu país, me apetecesse dedicar o meu precioso tempo de desemprego e de Dolce Fare Niente a verdadeiras abéculas ambulantes incapazes de fazer o seu trabalho. Daria apenas um conselho bastante precioso ao Senhor Primeiro Ministro: ir rever, portanto, os estatutos das suas funções, pois parece-me um pouco confuso. Julgo que, neste momento, o Senhor Pedro Passos Coelho parece apenas uma versão falsificada do “Velho do Restelo” com um grande decréscimo no domínio da sapiência.

Se conseguirmos recuar um pouco nos tempos, podemos, sem qualquer sombra de dúvida encontrar a raiz deste problema: a má governação (onde é que já terei eu ouvido isto?). Absorvidos pela abundância de subsídios externos para a formação, não há curso que não se abra em Universidade alguma do país, independemente, ou não, das suas saídas profissionais serem poucas, nenhumas ou escassas. Toca a produzir licenciados e professores que não servem absolutamente para nada. Venham eles, se não estiverem nas escolas, farão muita falta para educar a cidadania atrás de uma caixa de um hipermercado qualquer. Mas agora que o país se encontra em igual estado de lotação numa generalidade profissões, o problema que já existia, agudizou-se  e não há culpados, a não ser as pessoas que investiram trabalho, esforço e 900€ anuais de propinas que se foram fazendo render num cofre qualquer. Portanto, um Governo que não legislou currículos de ensino superior, que não estudou as necessidades laborais de um país e que formou uma série de profissionais qualificados que estão a ficar num armazém qualquer de stocks excedentes, claro que não há-de ter solução para este problema senão a mesma que se repete ao longo da história: queimar os excedentes, ou vendê-los a preço de saldo. Ora, como já não restam muitos lugares de professores a dar aulas quase de borla, resta livrar-nos do que sobra, vamos mandá-los para o Brasil.

Tendo em conta os recentes cortes no Ensino de Português no Estrangeiro, parece-me um dos maiores absurdos linguísticos dos últimos tempos, este incentivo. Citações quase comparáveis às do nosso caro João Pinto.

Admitamos que a culpa do excedente, não só de professores, como de licenciados nas mais diversas áreas, foi de erros de má governação e de fraca fiscalização da gestão do Ensino Superior em Portugal, portanto, resta a quem fez a merda, resolvê-la. E se porventura o senhor Primeiro Ministra julga que efetivamente a solução para este problema passa pela emigração, seria um ato de extrema boa-fé e de redenção esperada, criar condições para a mesma, criar protocolos com os países, proteger os professores que para tal se disponibilizem e conferir os direitos de trabalho equivalentes aos profissionais a lecionar em território nacional. Pois, desculpem-me, mas parece-me um grande grau de ingenuidade e de ignorância, pensar que os professores que estão a emigrar para outros países sem a proteção do governo, estão a dar aulas. A maioria, senhor ministro, está na Suíça a trabalhar numa fábrica de relógios qualquer.

Outro absurdo linguístico: se a malta vai toda embora, quem vai fazer a prova de ingresso á carreira? AhAhAh E só para terminar, com o aumento das turmas no ensino básico, considero que os professores têm excedente de alunos, com base nestas afirmação, julgo que, após prova de competências, se escolham os 5 piores alunos de cada turma e que se incentive à sua emigração para fazerem asneiras num outro país qualquer, onde serão bem recebidos... tenho dito.

P.S. Melhor ainda, o Natal é quando o Coelho (da Páscoa) quiser.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Rotos e esfarrapados


Todos rotos e esfarrapados por dentro que nós estamos.
Já nos olhamos sem reconhecer o mérito que nos distinguia ou sem saber que qualidades transportamos, porque num mundo de gente que não sente, que não olha para o lado e que não estende a mão, os conceitos de defeito e de virtude imergiram e não se conhecem mais as suas diferenças.
Valores, só os que transportamos, os que podemos contornar com a ponta dos dedos, e quanto maior e lavrado for o artefacto, maiores serão as atenções que sobre eles recaem. E assim confundem os humanos com o ter, o haver, o ser e o existir. Virtudes, nem as reconhecemos mais, ocupamos todo o espaço anarquicamente dirigido por nós, com os nossos egos desmedidos, não interessa que o limite de um ultrapasse o limite do outro, porque até essas fronteiras se diluíram em razão do estado de submersão em que vivemos. Num mundo assim, existimos até onde não existir mais nenhum pedaço de mim e não até onde o outro coexiste comigo.
Deambulamos, sem qualquer motivo, razão ou motivação, empenhando as esculturas que nos dedicaram e mostrando o ego que cresce desmesuradamente enquanto nos vamos transformando em narcisos mutados, como que num decadente desfile de excentricidades participássemos. Misturamo-nos arabicamente lutando cada um e por si só e apenas por aquele lugar debaixo do foco. Para lá permanecer numa porção irrisória de segundos apenas, porque num mundo em que nada se esconde, à inveja nenhum escapa.
Penhoramos os nossos valores às aparências, hipotecamos as virtudes reais e os nossos dons às banalidades e agora, que é chegada a hora de pagarmos a conta, caímos nesse espaço vazio, que nem trapezistas sem rede. Os que não se mantiveram neste fervoroso egocentrismo, reduziram-se até eles mesmos, e numa sociedade em que cada um é tão grande quanto mostra, ficamos pequenos, cansados, aniquilados… quase em pó… não chegamos para os gigantes que cresceram, enormes por fora e ocos por dentro. À primeira bafejada caem e partem-se que nem loiça chinesa, para chegarem à conclusão que não eram metade do que julgavam e subiram a um patamar mais elevado do que as suas pernas alguma vez o permitiriam ou escada qualquer poderia suportar.
Porque irremediavelmente nos passeamos numa feira de vaidades, em que o mais vaidoso é o vencedor, aparentamos ser primorosos, mas não somos nada mais que rotos e esfarrapados, raivosos e esfaimados, por dentro, ávidos do nosso próprio proveito, mesmo que este não venha de nada, de coisa alguma, de um bocado de ar ou de um simples soluço que deixamos escapar…Uma vez partidos e quebrados, de egos defeitos e de aparências arrastadas por esse chão arenoso, não nos resta nada a não ser o vazio que nos foi enchendo de ar. Os que eram pequenos, são grandes agora, cansados, débeis e espezinhados, mas cheios por dentro, desde o triz mais fino até à protuberância mais percetível das suas almas...

Foto: 
http://browse.deviantart.com/?q=ragged&order=9&offset=72#/d3fenvy



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

As persianas da alma


Naquela rua vazia e soturna, fecham-se as persianas das almas, com gente lá dentro. Aprisionam-se dentro de si mesmas, sem que entre sequer um raio de luz, uma palavra isolada, um silêncio enternecedor, ou um ruído gritante. Fecharam-se as portadas das almas das gentes daquele mundo sombrio que começo a conhecer. Agrilhoaram-se os portões intemporalmente, trancaram-se as portas eternamente, serraram-se janelas apenas com espaços suficientes para adivinhar o rumor de quem passa. Acelero o passo até casa, arrebata-me a ansiedade do que desconheço e do que me possa roubar a integridade que me tornou indivíduo. Chego a casa, tranco as portas, engulo a chave, fecho as persianas e deixo a portada da janela do quarto semiaberta, para deixar entrar a luz, para estar atento ao que passa e para que, neste espaço alheado, não me aliene eu também…



quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Os rostos do Não

Saio por aí… Procuro em gente sem rosto, a valorização consentida daqueles que me desconhecem, que não me querem conhecer e que fingem, de forma visível, não me querer ver.
Somos aqueles que andam perdidos pelo meio de uma multidão com rosto de não, tentando ultrapassar o caos até à morada mais próxima dos nossos corações. Mentes conturbadas pelas intermitências dos lugares que mal chegamos a olhar, relances da memória, registos voláteis daquilo por que passamos na busca de um assentimento. Já nem me recordo por onde andei ontem, nem que céus se ergueram sobre mim. Os chãos que piso são sempre os mesmos e os rostos de negação não se alteram. Sou cópia de um outro, a sombra transfigurada daquela que outrora começou esta busca. Olho o chão, os passos lentos que se estendem em lamuria no solo lamacento, deixando para trás marcas, neste labirinto, para que possa talvez regressar... Os momentos são já memórias e o presente é tão volátil quanto o passado que fui deixando para trás e incerto como o futuro que nem sei mais se existirá… porque, hoje, estou presa a um presente estanque, dado a repetições bulímicas e a semblantes copiados, os rostos que se retomam e que não nos deixam avançar, que nos empurram, não nos permitindo escapar deste momento que não acaba até que se inicie novamente, em movimentos cíclicos, iguais aos das nossas pernas cansadas e ao movimento do relógio que todos os dias, não mais nos oferece, do que as mesmas horas... esses rostos que nos travam e que nos agrilhoam às pedras cinzentas deste chão... os rostos do não...