"... Mas na noite, o cansaço que nos rasga a pele e os músculos,
atira-nos ao chão, combalidos da batalha que fomos tendo com o próprio corpo,
com as pernas em desobediência e os braços entorpecidos por uma força já
desnecessária. O cansaço que nos toma os olhos para passarmos a desistir do
esforço a que viver e pensar nos obriga. Fecha-se a alma, aninham-se os
membros, o corpo em espiral e o sono que chega e, que de uma assentada, leva as
horas consigo. Sonham-se anos no tempo rarefeito que a noite nos entrega, mas
dá-nos a liberdade de viajar, de procurar os sítios já esquecidos, os caminhos
que já nem recordávamos e que trilhamos perdidos. Torna-se vívida a memória,
enche-se de cor, os traços que esboçamos são reais, mas se não,
o subconsciente trata de nos fazer acreditar que sim. Paramos nos depois,
atravessamos o durante e acabamos o percurso no antes, dizemos coisas sem
sentido, cruzamo-nos com desconhecidos, gritamos num silêncio que não
transfigura o ruído que vai passando, lá no sonho que vamos persistentemente
sonhando. Falamos sós, falamos com todos, cantámos do píncaro de uma montanha,
voamos num mar azul do céu e nadamos nas nuvens, em pequenas poças que a chuva
insistiu em fazer. Somos sempre nós, no entanto, da maneira que queremos e as
histórias têm o fim que ao subconsciente cabe. Se não gostarmos, acordamos, se
gostarmos, foi um sonho realizado."
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