Já perdi a conta às vezes que escrevi acerca deste assunto,
mas acabo sempre por me surpreender pela fala de humanismo dos outros,
principalmente numa época em que tão pouco nos valemos a nós próprios. Quantas
vezes ouvi a minha mãe dizer-me para ter cuidado em quem confio, que amigos, há
poucos e eu não lhe dava ouvidos? Vivia absorvida na turbulência hormonal da adolescência
e fixada numa visão extremamente romântica e cinematográfica do mundo. Há sempre
finais felizes e as pessoas são irremediavelmente boas até que me provem o
contrário. Ora, é certo que, com o passar dos tempos, aquelas palavras sádicas
da minha mãe, se foram revelando reais. Ainda assim, parece que olho em volta e
continuo a ver o mesmo mundo pintado em tons de rosa que via na altura. Errada,
estive sempre errada e custa-me muito admitir, porque preferia viver na minha
ingenuidade pacífica e indolor, que me alienava, certo é, mas que me protegia.
Fui crescendo e muitos dos que fui considerando mentores,
foram repetindo as palavras que já ouvira, mas de forma mais erudita e
fundamentada. Ainda assim, como se de um procurador para a defesa da índole
humana me tratasse, travei argumentos comigo própria para me convencer que o
mundo não seria um lugar tão selvagem quanto diziam nem as pessoas que nele
habitam agiriam com tal ferocidade. Errada outra vez, porque contra factos não
há argumentos plausíveis que resistam, continuei esta minha viagem, ainda que
um pouco menos crente no que, em torno de mim, restava de calor humano.
Resisti, recuperei a esperança pelos que de nós restavam, acreditei nos
sorrisos, nas palavras doces e na cor que voltavam a colocar no meu mundo… e
agora, que ele tornou a ficar mais cinzento, foram-se os sorrisos, foram-se as
cores, ficaram as trinchas e os pincéis desalinhados, resta-me a mim pintar o
mural que fui esboçando.
Nunca me esquecerei de uma reflexão que repetirei
sempre e que se tem provado, invariavelmente, verdadeira. O Humano apenas age
com interesse, nunca por motivação. Ele atua tendo por fim a sua própria
satisfação, quer seja essa física ou emocional. Portanto, a amizade é débil e a invenção mais efémera de uma sociedade, porque esta só existe e
resiste enquanto servir os interesses dos envolvidos… Quantas vezes já preferi eu ter passado uma vida isolada do que me aperceber que não fui mais do que nada para as pessoas que me rodearam.
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