Quisera eu ficar estática, vislumbrar o movimento do mundo
que, apesar de todos os sulcos e lombas, não se cansa de rodar. Passarem por
mim as imagens rarefeitas desse tempo dessincronizado do meu, esse estático, inerte,
límbico… Imagens translúcidas, em jeito de desaparecimento, porque cada vez
mais este meu refúgio se transforma no mundo que quero habitar e o outro, que
vejo ao longe, a realidade paralela. Reparei que as sombras são cegas, não me
vêm nem se vêm umas às outras. Tropeçam, cruzam-se nos caminhos e só sentem o
bafo de quem se aproxima. E eu aqui… na fronteira que me separara deles e do
fio ténue que me afasta da loucura… vou ficando por aqui, neste trilho
estreito, movimento-me pé ante pé, talvez ninguém dê por mim, guardando o
silêncio que os gritos abafados interrompem. Tapo os ouvidos, debruço-me sobre
o meu próprio corpo e aguardo… aguardo que o silêncio não me fira e que
encontre nele, enfim, a comodidade que tantas vezes ele e a indiferença que
arrasta não trazem.
terça-feira, 26 de junho de 2012
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Calçada Portuguesa
Aquela calçada tatuada de
pequenas pedras pretas e brancas, calcam-na pessoas, num vai e vem desenfreado,
de olhos vazios, carregando sacos cheios de quase nada. De coisas que nem
sequer precisam e que vão atirar para um lugar qualquer, quando chegadas a
casa. Sigo os olhares que passam por mim, nunca os senti tão vagos, tão
desapossados de sentimento, como observo no momento. Como se as emoções se
tivessem escapado a qualquer altura e, a fundo perdido, nunca mais tivessem
sido recuperadas. É que, nisto dos amores, das paixões e das emoções, não é bem
como andar de bicicleta, perde-se o equilíbrio, cai-se ao mínimo balanço ou
turbulência, perdem-se as capacidades de as manter vivas, as emoções, e de
manter a luz naqueles olhos.
Já nem as peixeiras apregoam o
peixe da mesma forma, não se abalroam nos seus dizeres, entre as muitas que se
vão acomodando pela rua acima. Apenas interpelam os que espreitam ou os que
aparentam dois dedos de interesse. Passei como que transparente, como se não
gostasse de peixe ou, simplesmente desse a entender isso.
Apeteceu-me pousar a mochila
pesada no chão, nessa calçada preta e branca que, juntamente com os lampiões
centenários, quase nos transporta aos filmes antigos… não fossem apenas as
personagens estarem tão mutadas na descrição que agora faço. Sento-me naquele
banco de rua, espraio as costas, acomodo-me, baixo os óculos de sol da testa,
porque o sol me obriga a semi-serrar os olhos num esforço quase hercúleo e vejo
que as únicas personagens que se mantêm puras são as que partilharam os filmes
antigos, os mudos, os cantados, os falados e os musicados. As gentes de outrora
que, por ainda cá andam, falam em viva voz, riem, trocam pareceres políticos
mais ou menos fundados e discutem, com um sorriso na boca, acerca dos seus
desígnios, das suas opiniões ou simplesmente da menina bonita e cabisbaixa que
trespassou o grupo em metade, ignorando, por inconsciência, que ali se formava
uma elipse, onde todos se conheciam, ou, pelo menos, partilhavam um propósito.
Uma mulher passa, ela também,
personagem desses filmes já desbotados, o tempo corrói o corpo, mas não alma,
levo-me, eventualmente a pensar, que encontramos a morte no exato momento em
que estaríamos totalmente prontos para enfrentar a vida com a devida prontidão
e arcaboiço… Talvez não estejamos a aproveitar o tempo que nos é dado
devidamente, sei lá. Enfim, passa a mulher, em marcha corrida, por aquele
ajuntamento que não passava despercebido, ao que se ouve:
- Cada vez estás melhor!
- Sou como o vinho do porto! – Respondeu com um sorriso
esboçado por entre as rugas que as emoções repetidas foram desenhando no rosto.
Uma gargalhada que tentei prender
com os lábios, inevitavelmente, saiu solta, com vontades próprias de riso
espontâneo… viram-se os homens e riem-se em uníssono comigo, como se, de
personagens do mesmo filme nos tratássemos, num ato de compromisso. Não deixei
de pensar, para comigo mesma, se não pertencerei eu a um outro enredo, a um
outro elenco ou apenas se sou figurante neste argumento que levo a cabo. Nos
filmes antigos, a preto e branco, a calçada mantinha-se intata e as cores das
personagens eram sempre garantidas pelos atores, que traziam olhos cheios,
lágrimas verdadeiras e sorrisos com matizados.
Fonte: http://www.google.pt/imgres?um=1&hl=pt-PT&biw=1280&bih=681&tbm=isch&tbnid=fnhh0Llu3at6bM:&imgrefurl=http://www.prof2000.pt/users/secjeste/arkidigi/espinh02.htm&docid=V0mpwAX_AzX5QM&imgurl=http://www.prof2000.pt/users/secjeste/arkidigi/Espinho/Espin022.jpg&w=900&h=552&ei=HpXPT560J-yT0QX-ucHJCw&zoom=1&iact=hc&vpx=370&vpy=165&dur=3847&hovh=176&hovw=287&tx=157&ty=55&sig=110984502861381323981&page=1&tbnh=121&tbnw=197&start=0&ndsp=15&ved=1t:429,r:1,s:0,i:69
segunda-feira, 4 de junho de 2012
De malas feitas
Correm rumores de que a Joaninha nos vai deixar. Já está a
dar o tempo à casa, já a vi a fazer compras de última hora, sabonetes e
shampoos, com o namorado, que, pelos vistos parte com ela. Vai partir, porque
sente um vazio, a réplica da impotência que todos nós vamos sentindo.
O
António, que morava ali em Espinho, irmão do João que andou comigo na
Universidade, também já rumou, penso que para o Brasil. Cansou-se de esperar
pelo futuro e de incorrer, em adiamentos constantes, em recorrentes passagens
por um pretérito, já muito imperfeito ou por um presente já tão desgastado.
Cansam-se
assim, os muitos que se amontoam em filas das quais não se vislumbra sequer o
fim, serão talvez infinitas, pois ninguém de lá volta, ou se retorna, apresenta
aquele ar de cansaço, de quem correu atrás do pote de ouro, mas nada encontrou
ou então retornam conformados para tentar novamente no dia de amanhã. São, às
vezes, duas horas da tarde, e já deixaram de dar tiquets para o outro lado do
arco-íris.
Foi por
isso que partiu o António e se segue a Joaninha, porque já lhes doíam as pernas
e a coluna do prostramento constante a que eram submetidos, da espera
sucessiva, dos adiamentos repetidos e por não poderem esperar mais do que um
futuro próximo, um amanhã sempre inconclusivo, como se de uma pena perpétua se
tratasse.
De
malas a abarrotar de dúvidas e inseguranças, partem, em filas já também, para o
desconhecido, almejando um porvir que lhes permita sonhar e encontrar a
concretização para os seus planos. Fogem do marasmo, da falta de oportunidade e
das filas, daquelas que não têm fim à vista.
Eles já
lá foram, estão distantes em tempo e em espaço dos que cá ficaram, porque aqui
o tempo não passa, ou simplesmente se arrasta e permanecemos, então, no mesmo
presente desgastado e roído.
Resta
saber que destino nos compete, a nós que cá ficamos por pura teimosia, porque
nos falta a coragem ou porque, simplesmente continuamos a manter a utopia de
que um dia as filas possam encurtar, que deixem de nos passar à frente ou de empurrar,
que os tiquets cheguem para toda a gente e que a esperança, ganhe, enfim, um
novo simbolismo. Porque, no momento em que me encontro, numa espera perpétua
numa fila onde se acotovelam, onde se empurram e onde toda a gente transporta
os seus sofrimentos pessoais e os seus egos - uns ultrapassam as dimensões do
próprio ser, e roubam-nos um lugar na espera – apenas parece que Pandora não
resistiu à curiosidade e deixou mesmo escapar a última virtude.
Essa,
cabe a quem parte, que nada mais tem do que uns trocos para se governarem e as
dúvidas que não se dissipam. Às Joaninhas e aos Antónios, muito boa sorte…
Emigration song by AnalogPhotographers
http://browse.deviantart.com/?order=9&q=emigration&offset=48#/d1amk5j
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