segunda-feira, 4 de junho de 2012

De malas feitas


              Correm rumores de que a Joaninha nos vai deixar. Já está a dar o tempo à casa, já a vi a fazer compras de última hora, sabonetes e shampoos, com o namorado, que, pelos vistos parte com ela. Vai partir, porque sente um vazio, a réplica da impotência que todos nós vamos sentindo.
                O António, que morava ali em Espinho, irmão do João que andou comigo na Universidade, também já rumou, penso que para o Brasil. Cansou-se de esperar pelo futuro e de incorrer, em adiamentos constantes, em recorrentes passagens por um pretérito, já muito imperfeito ou por um presente já tão desgastado.
                Cansam-se assim, os muitos que se amontoam em filas das quais não se vislumbra sequer o fim, serão talvez infinitas, pois ninguém de lá volta, ou se retorna, apresenta aquele ar de cansaço, de quem correu atrás do pote de ouro, mas nada encontrou ou então retornam conformados para tentar novamente no dia de amanhã. São, às vezes, duas horas da tarde, e já deixaram de dar tiquets para o outro lado do arco-íris.
                Foi por isso que partiu o António e se segue a Joaninha, porque já lhes doíam as pernas e a coluna do prostramento constante a que eram submetidos, da espera sucessiva, dos adiamentos repetidos e por não poderem esperar mais do que um futuro próximo, um amanhã sempre inconclusivo, como se de uma pena perpétua se tratasse.
          De malas a abarrotar de dúvidas e inseguranças, partem, em filas já também, para o desconhecido, almejando um porvir que lhes permita sonhar e encontrar a concretização para os seus planos. Fogem do marasmo, da falta de oportunidade e das filas, daquelas que não têm fim à vista.
                Eles já lá foram, estão distantes em tempo e em espaço dos que cá ficaram, porque aqui o tempo não passa, ou simplesmente se arrasta e permanecemos, então, no mesmo presente desgastado e roído.
                Resta saber que destino nos compete, a nós que cá ficamos por pura teimosia, porque nos falta a coragem ou porque, simplesmente continuamos a manter a utopia de que um dia as filas possam encurtar, que deixem de nos passar à frente ou de empurrar, que os tiquets cheguem para toda a gente e que a esperança, ganhe, enfim, um novo simbolismo. Porque, no momento em que me encontro, numa espera perpétua numa fila onde se acotovelam, onde se empurram e onde toda a gente transporta os seus sofrimentos pessoais e os seus egos - uns ultrapassam as dimensões do próprio ser, e roubam-nos um lugar na espera – apenas parece que Pandora não resistiu à curiosidade e deixou mesmo escapar a última virtude.
              Essa, cabe a quem parte, que nada mais tem do que uns trocos para se governarem e as dúvidas que não se dissipam. Às Joaninhas e aos Antónios, muito boa sorte…


Emigration song by AnalogPhotographers
http://browse.deviantart.com/?order=9&q=emigration&offset=48#/d1amk5j

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