quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tendão de Aquiles


Já perdi a conta às vezes que escrevi acerca deste assunto, mas acabo sempre por me surpreender pela fala de humanismo dos outros, principalmente numa época em que tão pouco nos valemos a nós próprios. Quantas vezes ouvi a minha mãe dizer-me para ter cuidado em quem confio, que amigos, há poucos e eu não lhe dava ouvidos? Vivia absorvida na turbulência hormonal da adolescência e fixada numa visão extremamente romântica e cinematográfica do mundo. Há sempre finais felizes e as pessoas são irremediavelmente boas até que me provem o contrário. Ora, é certo que, com o passar dos tempos, aquelas palavras sádicas da minha mãe, se foram revelando reais. Ainda assim, parece que olho em volta e continuo a ver o mesmo mundo pintado em tons de rosa que via na altura. Errada, estive sempre errada e custa-me muito admitir, porque preferia viver na minha ingenuidade pacífica e indolor, que me alienava, certo é, mas que me protegia.

Fui crescendo e muitos dos que fui considerando mentores, foram repetindo as palavras que já ouvira, mas de forma mais erudita e fundamentada. Ainda assim, como se de um procurador para a defesa da índole humana me tratasse, travei argumentos comigo própria para me convencer que o mundo não seria um lugar tão selvagem quanto diziam nem as pessoas que nele habitam agiriam com tal ferocidade. Errada outra vez, porque contra factos não há argumentos plausíveis que resistam, continuei esta minha viagem, ainda que um pouco menos crente no que, em torno de mim, restava de calor humano. Resisti, recuperei a esperança pelos que de nós restavam, acreditei nos sorrisos, nas palavras doces e na cor que voltavam a colocar no meu mundo… e agora, que ele tornou a ficar mais cinzento, foram-se os sorrisos, foram-se as cores, ficaram as trinchas e os pincéis desalinhados, resta-me a mim pintar o mural que fui esboçando. 

Nunca me esquecerei de uma reflexão que repetirei sempre e que se tem provado, invariavelmente, verdadeira. O Humano apenas age com interesse, nunca por motivação. Ele atua tendo por fim a sua própria satisfação, quer seja essa física ou emocional. Portanto, a amizade é débil e a invenção mais efémera de uma sociedade, porque esta só existe e resiste enquanto servir os interesses dos envolvidos… Quantas vezes já preferi eu ter passado uma vida isolada do que me aperceber que não fui mais do que nada para as pessoas que me rodearam.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O vazio

Sentar-me em serenidade na beira da varanda e olhar a paisagem com noção de infinito. Deixo de perceber a profundidade e a visão lateral e olho apenas sem destino, para o infinito que se impõe na linha que divide o etéreo e o marítimo. Olho, porque me recuso a pensar, mas embrenhada nesta tarefa infrutífera, não deixo de sentir. Sinto a agonia que em mim se abate, a noção de que caminhamos, mas estamos inevitavelmente sós, a noção de que lutamos, mas sempre, corpo a corpo, a ideia de que caímos e que nos erguemos sobre os nossos próprios joelhos e a inevitabilidade das lágrimas que escorrem pelo rosto e que, invariavelmente, nós próprios limpamos com uma manga já rasgada pelo percurso. Fica agora a certeza que, quando enfrentamos o verdadeiro abismo, poucos são os que se arriscam a cair connosco, e são muito parcas as mãos que nos agarram. Nunca, mas nunca estivemos tão sós… E entre mim e esse infinito que vislumbro, o vazio...e a necessidade de continuar o caminho. 

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Nirvana


Para além do Universo luminoso,
Cheio de formas, de rumor, de lida,
De forças, de desejos e de vida,
Abre-se como um vácuo tenebroso.

A onda desse mar tumultuoso
Vem ali expirar, esmaecida...
Numa imobilidade indefinida
termina ali o ser, inerte, ocioso...

E quando o pensamento, assim absorto,
emerge a custo desse mundo morto
E torna a olhar as coisas naturais,

À bela luz da vida, ampla, infinita,
Só vê com tédio, em tudo quanto fita,
A ilusão e o vazio universais.


Antero de Quental