segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Cansa sentir quando se pensa

Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Ah, nada é isto, nada é assim!)
Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'

Porque gosto... porque apesar de ser um poeta do cânone, que toda a gente conhece através dos nossos currículos, este foi o autor que me apaixonou pela escrita e pela leitura. Esta é a Pessoa que, sem conhecer, conheço tão bem e, por eu considerar-nos semelhantes, sinto que me conhece a mim, ele também. Esta é a noite que tantas vezes partilho com ele :)


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Voz Débil que Passas

Voz débil que passas,
Que humílima gemes
Não sei que desgraças...
Dir-se-ia que pedes.
Dir-se-ia que tremes,
Unida às paredes,
Se vens, às escuras,
Confiar-me ao ouvido
Não sei que amarguras...
Suspiras ou falas?
Porque é o gemido,
O sopro que exalas?
Dir-se-ia que rezas.
Murmuras baixinho
Não sei que tristezas...
_ Ser teu companheiro? _
Não sei o caminho.
Eu sou estrangeiro.
_ Passados amores? _
Animas-te, dizes
Não sei que terrores...
Fraquinha, deliras.
_ Projetos felizes? _
Suspiras. Expiras.

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Blogs do ano de 2011 - Aventar

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A dor

A dor

O caminhar descalço sobre as pedras aguçadas,
Roer os joelhos contra a calçada rugosa,
A fricção do meu corpo no chão arenoso.
O ar frio que inspiro, os gritos estridentes na minha mente.
O sol intenso contra a minha retina. O empurrão. O esmagamento.
A exaustão. As correntes nos pulsos.
A respiração sôfrega. O coração aos pulos.
Os gemidos latentes. O abandono, o esquecimento,
a desilusão, a traição e o afastamento. 


sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Blogs do ano 2011


Caros e parcos leitores, decidi inscrever-me num concurso organizado por Aventar, que pretende nomear os melhores blogues do ano de 2011, nas suas respectivas categorias. Este blogue participará na categoria "Literatura" e, claro, conta com o apoio dos seus fiéis leitores. Quando o período de votações se iniciar, certamente os chatearei :)

Sonhos simples e ambições puras

Novamente o vocábulo sonho. Utilizo-o muito, bem sei, mas talvez porque o plano onírico me pareça, agora, e mais do que em tempo algum, mais agradável e até palpável do que a realidade para a qual acordo diariamente. Parece que deambulamos vagamente por um pesadelo à moda de um qualquer filme de terror hollywoodesco. Corrupção à esquina, agonia a cada passo e o iminente sentimento de medo e de angústia que nos segue e que nos toma. No futuro, mesmo no mais próximo, apenas a dúvida, ou a breve certeza de que aquele não se avizinhará melhor e, do amanhã, não muito a dizer, a não ser que, caso exista, será um dia, talvez como os outros, repetido à conta de rotinas que forçamos para que nos sintamos vivos ou sobreviventes.

Eis que a noite espreita, o silêncio, a passividade de um mundo que já dorme lá fora destas portas e janelas. A certeza de que o caos cessou e que ultrapassamos, ainda que fatigados, mais uma batalha. Por enquanto poderemos repousar, mas o nascer do sol trará um novo dia, uma nova indefinição, mais incertezas e novas angústias. E é nos sonhos, no espaço que tomam nessa noite, que procuramos uma nova oportunidade de encontrar os lugares onde fomos já felizes, os momentos que aspiramos e as ambições tão puras que carregamos nos nossos ombros e que a realidade não nos permite concretizar... É nesse momento, na altura em que acordamos das nossas ficções, que os sonhos e ambições deixam de ser conceitos aprazíveis, para se tornarem em duros fardos, dos quais, simplesmente, não nos queremos livrar. Pois, pelo menos nesses lugares,não somos reduzidos à condição de mortos-vivos que este nosso pesadelo tão vívido nos transformou.

Foto por: Medeia

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ano novo... desejos novos

Eis que se aproxima o término de mais um ano, ainda jovem, este milénio, mas já com tanta tinta escorrida a marcar história. À imagem de amos anteriores, é tradicional olhar retrospetivamente para o ano que nos deixa, analisar as conquistas, as perdas, as desilusões e as alegrias de forma a definirmos um esboço para o novo ano que se aproxima. Resoluções de novo ano, desejos, necessidades são então entoados, em uníssono, com as doze badaladas do dia trinta e um.
Num ano em que assistimos a escândalos políticos, presenciamos também um casamento real. Num ano em que a fúria da Natureza nos trouxe tragédias como terramotos, inundações e maremotos, mais um avanço na cura para a o HIV foi feito. Num ano em que a pobreza aumentou significativamente, um pouco por todo o mundo, a ajuda humanitária atingiu níveis históricos.
Terminado um ano assim, nós que temos a possibilidade de cumprir todos os rituais que cabem à data, resta-nos subir às cadeiras, agarrar num punhado de uvas passas para as engolir resignadamente enquanto, em frações de segundos, planeamos um novo ano, independentemente dos desígnios desse tão imprevisível destino.  
Perante o que vivenciamos no ano que agora termina, julgo que nos cabe olhar os tempos vindouros com um relativo otimismo. Carpe diem: aproveitar cada dia, como se fosse último, mas esperando sempre o dia de amanhã e acreditar, piamente, que, depois da tempestade, surge sempre a bonança. Sabedoria popular ou conhecimento empírico, a verdade é que, a cada ano que por nós passa, inúmeros são os motivos que nos levam ao chão: desastres, tragédias, perdas pessoais, insucessos, instabilidades, mas certo é que, como tudo no Universo, dos planetas, aos astros, nada é eterno e a temperança surge sempre com o seu natural efeito catártico, limpa-nos a alma e torna-nos resilientes para enfrentar novas lutas e obstáculos.
É certo que, tal como muitos de nós, olho para o ano que passa e relembro um ano especialmente árduo, custoso, cheio de dúvidas, complexo e até mesmo triste, mas certo é que estamos a terminá-lo sem que tenhamos sido vencidos. É portanto, natural, que entremos, relutantes no ano de 2012, mas, visto que já tomamos um ano como exemplo, enfrentemos os próximos dias conscientes da dificuldade que encararemos, mas crentes que poderemos operar a mudança e alterar o nosso próprio destino. Parte de nós fazer com que 2012 seja um ano bem mais positivo, apesar da austeridade, corrupção, promiscuidade ou ilusão. 
Por isso, este ano não peço uma casa, um carro ou dinheiro. Se voltarmos às nossas raízes, ao âmago de quem fomos outrora, aos nossos instintos mais básicos, saberemos que a resolução para estes tempos está no altruísmo que possuímos. Se partilharmos, seremos menos os desfavorecidos. Se sorrirmos, serão menos os deprimidos. Se auxiliarmos, serão menos os incapacitados. Se dermos, será menor a necessidade. Se olharmos para o lado, serão menos os solitários. Se perdoarmos, serão menos os julgados. Se lutarmos, serão menos os oprimidos. Se nos unirmos, seremos mais. Se mantivermos o otimismo, seremos fortes. Se operarmos a mudança, seremos imortais. Se formos criativos, seremos mais dotados. Se amarmos, certamente seremos retribuídos.
Correndo o risco de, por superstição, aqueles desejos não se concretizem pela exposição de que foram alvo, ainda assim partilho-os aqui, para todos os que quiserem copiar. Porque são desejos meus, mas universais, que não se desgastam ou terminam e inevitavelmente, tornam um mundo cinzento num lugar mais belo e propício a habitar.