domingo, 20 de setembro de 2015

Uma dor (de) estranha

És um espetro a passear-te por entre os que choram a partida… estranho e inevitavelmente alheio à dor dos que perdem. Não que não tragas alma nesse corpo, nem que não sintas a agonia, mas essa é uma dor que não te pertence.
 
Chora-te a vontade do que nunca chegou a ser e o despojo da dor que podia ter sido tua e chora-te o coração pelo bocado que se partiu e que compunha os que amas.
 
Observas como os que amas gerem o buraco que lhes cresceu no coração e que jamais se curará e tentas saber acerca dessa tranquilidade e silêncio que só a morte traz consigo. Como depois de uma tempestade ficam os animais e a natureza estagnados, a aguardar pacientemente o reaparecimento do sol. Compreendes agora que a morte é uma ausência. Fica a sensação de que, quem partiu, parte temporariamente, levando-nos a pensar que voltará de aí a instantes, como se tivesse ido à mercearia ou dar de comer aos bichos. Fecha-se os olhos, na esperança de encontrar não mais que um sonho vívido. Sentes a impotência de quem é vivo e pode pouco, por igualmente ser mortal. Sentes o buraco que cresce nos corpos e tentas tapá-lo com gestos, mas a morte corrói e quase se tornam inúteis os esforços que fazes, são ínfimos, são verdadeiras migalhas de conforto perante o sofrimento que acompanha a morte. Caem-te as mãos no colo, olhas quem chora e fazes de tudo para que saibam que apesar do vazio que sentem, não se encontram sós. Choram-se as lágrimas juntas, as da dor alheia de as da dor da perda e sabe-se, enfim, que te fazem uma enorme falta os que fazem falta a quem cá fica.


 
 

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Espectros de loucura

A loucura chegava-lhe aos pés e ela insistia em guardá-la num saco bem atado, não fosse alguém ver. Via-se ao espelho e lembrava-se de como dantes aquela loucura lhe ficava tão bem. Decidiu cortar os pensamentos à moda dos outros, diziam-lhe vezes sem conta que lhe iria ficar bem… e fica. Mas a verdade é que tem sempre saudades do bem que lhe ficava a loucura e cortou-a tanto que se deixou ficar igual às meninas das revistas, essas que são mudas, sorriem no vazio e cujos olhos perseguem os movimentos dos outros. Nunca mais viu ao espelho a loucura que dantes trazia, mesmo quando a tirava do saco, não se passava mais que um espetáculo bem ensaiado. Está fechada, que nem espetro do que foi, num mundo cénico onde era apenas convidada e passou a ser anfitriã: dá as boas vindas aos que têm loucura longa e diz-lhes como ficariam bem como ela.