sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Dentes-de-leão




Manda-te o imaginário, ainda vivo, que te agarres à pretensão de sonhar. Que destrones aquele terror autoritário, que de tão despótico já te puxa as pernas, as linhas de pensamento, os pretextos e os argumentos. Foste atirado ao chão, ao chão que pisas, que em algum instante foi teu - ou ainda é. Encontras-te agarrado às pernas dos lampiões definhados - os quais circunscrevem uma luz defunta, de um amarelo quase hepático, ta apontam à cara e te interrogam a existência, lá do fundo do barulho das luzes; esses lampiões que te empurram para chão, esse que não é teu, do qual separas os pés no medo de incorrer em invasão do espaço que ali só poderá ser da sobriedade de quem o pisa… é melhor não o pisar. Não vá alguém reparar que trago coragem apertada no punho, o qual arrebata qualquer movimento que a tente roubar. E o teu rosto puxado ao de cima por quem não te estende a mão (e sabe-se lá de que cor o cansaço o terá pintado… esse teu rosto desbotado). Mastigas o medo que te deixou ali plantado, no meio de lado nenhum, numa rua com lampiões, aqueles, os das luzes hepáticas e engoles a coragem mascavada sem mastigar a aspereza que a compõe, talvez por estar amargada pelo tempo que andou exposta às expirações poluídas dos outros, dos que não estendem as mãos. Já pensaste que levam malas cheias do ânimo que foram apanhando ao pé de casa (costumava nascer de forma espontânea, mesmo ao lado dos dentes-de-leão), de pétalas rosadas das paixões que encontravam nas praias (junto aos segredos que contava o marulho das ondas) e da coragem em grão, da que vais engolindo para que não te suma toda (essa havia-a aos magotes, vendia-se avulso ou em pacotinhos como os de chá)? Não te poderiam dar as mãos. Há que nunca abandonar aquelas malas cerradas pelo tempo e pelo medo de deixar sair o que lá permance à mercê do tempo que estraga as coisas, bem sabemos. Não há que abandoná-las, muito menos ao pé dos lampiões que parecem gente bulímica, não se estenda de lá um membro regenerado de um metabolismo particular qualquer que só caberá àqueles objetos, que de lânguidos e de cabeça erguida, deitando luzes enfermas e vigilantes sobre um círculo imperfeito no chão aos cubos, se parecem a gente, daquela que anda a apanhar molhos de ânimo nas bermas da estrada, dos que havia mesmo ao lado dos dentes-de-leão… e coragem, daquela expirada em validade que eu e tu vamos engolindo para que as palavras não se emudeçam, no hermetismo do espírito que não vai ser plantado ao pé dos dentes-de-leão, e que por isso, por se esconder na cave do corpo que revelamos, é difícil tocar com os pés no chão. Sabe-se lá, as luzes podem ter olhos. Ninguém sabe o que existe no fundo das lâmpadas que nos vigiam e aleijam as vistas quando as tentamos olhar nos olhos numa conversa entre o silêncio do nosso ânimo amestrado e o barulho monocórdico que as luzes cantam.


Fonte:  http://www.deviantart.com/art/dandelion-field-84895427 (2/08/2013)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A Sneak Peek III

"E os gritos, os gritos eram cada vez mais graves, a sua força também se esvaía… tomara pudesse oferecê-la àquele corpo ali caído, largado à própria metafísica das coisas. Não valia de nada tê-lo tratado como gente, se já não o era sabe-se lá há quanto tempo. O que dói a quem por cá fica, não é ver o corpo despojado, porque não passa da carcaça, mas dói porque é difícil ver as almas e imaginá-las na sua condição de transcendência. O corpo é o que nos fica na memória, o que vemos sempre que recuperamos um passado. Traz sempre uma dor imensa ver ali um corpo atirado à mercê do tempo, profanando a alma que ele vestia."

(01/08/2013 - Andreia Rocha)




"Escape to Sorrow" by utopic man
@Deviantart - http://www.deviantart.com/art/escape-to-sorrow-192544889 (1/08/2013)


domingo, 14 de abril de 2013

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Mythic Sounds XI

E depois de um afastamento que nem eu própria sei justificar, fica uma música que me tem inspirado :) 


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A minha nostalgia tem sentido (s)


Ouve-se, vê-se, cheira-se, saboreia-se e quase se pode tocar…

É o ranger desse chão envelhecido que calco com os pés em palmilhas, nas minhas memórias, pequenos, só lhes vejo as pontas redondas, aconchegadas nas meias caneladas. Os gritos dessas dobradiças teimosas, que insistem em deixar as frinchas abertas para que eu possa espreitar. O bulício abafado pelas paredes e os risos distantes que ecoam na minha mente. 

Os corredores escuros e os quadros envelhecidos pela humidade e a inconstante luz do sol… e o resplendor daquela janela virada ao mar. O cheiro a naftalina, o da terra molhada do pinhal e a maresia que corria nas noites abafadas do verão, odores juntos que se transformam em perfume distinto… o aroma das minhas memórias…. O cheiro a café que se extingue no ar, junto ao do pão quente, acabado de fazer e de benzer. E o paladar dos maracujás que arrancávamos ambiciosamente da sua planta, como se de estranha e limitada iguaria se tratasse.

A sensação de que tudo e todos são maiores do que nós, alcançam o inalcançável, roçam o intangível e chegam aos lugares mais remotos. De quando em vez, o vazio na barriga de quando nos tomavam nos braços e nos atiravam ao etéreo… Ia jurar que voei, mas que o ar me trouxe de novo para baixo. A sensação de coragem, que se foi perdendo e a certeza infundada de que aquilo seria só o começo, as primeiras páginas esboçadas de um conjunto de imagens estáticas que vamos guardando, em jeito de livro de recortes, das memórias que fomos e vamos fotografando.  



Eight Senses by Peter Dranitsin
Fount: Fineart America