quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A "planta mesquinha"

"Saber que será má a obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. Essa planta é a alegria dela, e também por vezes a minha. O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou me não basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida.
Um tédio que inclui a antecipação só de mais tédio; a pena, já, de amanhã ter pena de ter tido pena hoje – grandes emaranhamentos sem utilidade nem verdade, grandes emaranhamentos...
... onde, encolhido num banco de espera da estação apeadeiro, o meu desprezo dorme entre o gabão do meu desalento...
... o mundo de imagens sonhadas de que se compõe, por igual, o meu conhecimento e a minha vida...
Em nada me pesa ou em mim dura o escrúpulo da hora presente. Tenho fome da extensão do tempo, e quero ser eu sem condições."

(F. Pessoa, Livro do Desassossego)


Por isso trato desta minha "planta mesquinha." Porque é a minha alegria e a de, embora parcas, algumas almas que a tocam e que, com ela, rejubilam ou se compadecem. É a projecção mais ambiciosa do meu ser, das emoções que por vezes enuncio na complexidade de um lexema. Por isso me entristece toda a palavra que se disse e se não disse e que a tornou ainda mais débil naquele vaso que ocupa, em lugar nenhum, aqui, neste pedaço de mundo. Tudo o que atente, àquele reflexo espelhado do que sou ou que almejaria ser, do que sinto ou simplesmente gostaria de não sentir, da complexidade do meu âmago, da futilidade dos meus pensamentos, da expressão efémera das minhas palavras inúteis e sem arte, torna-me mais fraca... Dissertações diarísticas ou não, esta é a planta que projecta a minha sensibilidade, a debilidade da minha alma.



Salvador Dali. "The Three Sphinxes of Bikini", 1947

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