segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Aspirantes a quase nada

Outro que já viu a luz do dia e já pode vir para aqui :)

Sonhar, qualidade tão própria dos humanos. Sonhamos enquanto dormimos, sonhamos enquanto acordados. É inerente à nossa própria existência e, grande parte das vezes, é culpa do nosso subconsciente que, para mal ou para bem, simplesmente não controlamos. Já o poeta entoava que o “sonho comanda a vida” e, infalivelmente, estava correto. Vivemos de projetos rompidos ou não, de planos a longo e a curto prazo, de projeções mais ou menos efémeras que, de uma forma ou de outra, nos motivam todos os dias, a enfrentar, com um sorriso, por vezes amarelado, as arduras que somos obrigados a ultrapassar.

Nos últimos tempos, muito se tem discutido acerca da cultura dos portugueses e da sua postura de hipotética passividade perante as problemáticas que se somam a cada segundo que passa. E é fácil assumirmos uma postura crítica perante algo que, no fundo, todos fazemos. Pois, evidentemente, acomodamo-nos, permanecemos em negação uma boa soma de tempo, esperando que, por qualquer arte mágica ou mera alquimia, os problemas desapareçam. E esta, meus amigos, não é uma qualidade portuguesa, mas humana e, o sonho, é invariavelmente, a manifestação mais rudimentar e ancestral dessa nossa fuga, ainda que momentânea, à realidade.
De acordo com Eduardo Lourenço, reside ainda, em nós, uma esperança, um sonho eterno de que tudo, eventualmente, se alterará um dia, que os problemas, mais tarde ou mais cedo se resolverão, que D. Sebastião ressurgirá num dia de nevoeiro e que o V Império ganhará então vida. Planos megalómanos, forças hercúleas, ideias disparatadas até, tornam-nos, não num conjunto de pessoas em devaneio, mas num povo provido de um motor interno para superar obstáculos, com melhor ou pior cara. "Nação pequena que foi maior do que os deuses em geral o permitem, Portugal precisa dessa espécie de delírio manso, desse sonho acordado que, às vezes, se assemelha ao dos videntes e, outras, à pura inconsciência, para estar à altura de si mesmo. Poucos povos serão como o nosso tão intimamente quixotescos, quer dizer, tão indistintamente Quixote e Sancho. Quando se sonharam sonhos maiores do que nós, mesmo a parte de Sancho que nos enraíza na realidade está sempre pronta a tomar os moinhos por gigantes. A nossa última aventura quixotesca tirou-nos a venda dos olhos, e a nossa imagem é hoje mais serena e mais harmoniosa que noutras épocas de desvairo o pôde ser. Mas não nos muda os sonhos" (Eduardo Lourenço)
A triste realidade com que, forçosamente nos deparamos, essa que nos torna, pela primeira vez, um dos povos mais tristes da Europa, ainda que com um sol de Inverno a bater-nos na cara, ainda com a hospitalidade das nossas casas e com a boa comida que insistimos a servir, mesmo quando pouco ou nada nos sobra já. Esta não se torna, porém, e a na minha visão um tanto imparcial, numa questão digna de crítica maliciosa, mas consiste apenas num mecanismo de defesa, de resiliência, face as dificuldades que somos obrigados a enfrentar diariamente. Se temos vindo a ser passivos? Concordo plenamente. Arrisco-me a afirmar que há, realmente uma necessidade iminente de reclamar os direitos que, com base em lutas quase intemporais, foram conquistados partindo da força, visto que a via democrática apenas se tem vindo a revelar uma forma dissimulada de ditadura onde valem mais as trocas de favores entre os que governam do que as necessidades de um povo. Mas igualmente sei e considero que não é criticando a capacidade onírica de um povo que sempre se alicerçou na sua virtude inqualificável de sonhar, que construiu um Império com base no sonho, que descobriu um Novo Mundo com base nas suas fantasias e que se rebelou com cravos na mão, que conseguiremos a união que necessitamos para efetivamente nos tornarmos quase invencíveis. E não ousem dizer-me, a mim, portuguesa nascida e criada, que isso são recordações românticas, e que, de nada nos servem na realidade atual, porque, quer queiramos, quer não, estão aquelas situações inculcadas histórica e culturalmente em cada um de nós, como se de uma marca genética se tratassem e dão-nos esta surpreendente probidade de sonharmos acordados, para além de fronteiras físicas, psicológicas e racionais, acreditando, a todos os dias que passam, que o dia de amanhã será melhor. Resta-nos apenas utilizar essa capacidade para nos tornarmos mais criativos e mais ativistas perante a realidade que, o dia de hoje, nos apresenta tão sombria. 


El Barco - Salvador Dali

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