segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A boca do mundo

Às vezes é o sentir as pernas suspensas - sem chão onde pisar - e a falta de ar que a pressão da profundidade exerce sobre o peito que magoa, aleija, que nem beliscão. Nem todos chegam a ver a boca escura do mundo que se abre nos lugares que só os famintos de caminhos certos conhecem. Quase ninguém chega a entrar nela e a ter de habituar os olhos ao breu, e ao não saber onde colocar os pés. E ao suster de respiração a cada passo incerto. Muitos poucos saem de lá em esforço para se habituar à luz que pica nos olhos. Os que lá permanecem - sedentos de caminhos que levem até à porta - deixam de saber o que é a luz. A luz passa a ser apenas a sensação de picar nos olhos e desaprende-se o respirar, o ver claro. O pôr os pés que não no vazio. E passa-se a saber apenas caminhar com as mãos a tocarem em paredes húmidas, a ver com as pontas dos dedos. E a colocar os pés nos degraus em abismo súbito. A gritar por ajuda, em silêncio, aos deuses sem olhos. A respirar sem libertar o ar que está lá dentro. A habituar os pés ao ar que gravita no subsolo, perto do inferno escuro, ao fundo do corredor ao qual se acede por essa escura boca que se abre no fim mundo.


(Fonte da imagem: http://www.deviantart.com/art/I-feel-the-darkness-287119576)

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