terça-feira, 25 de outubro de 2011

Da precariedade à insignificância

Nos dias que hoje correm (lentos, demasiadamente lentos), pulsa-me nas veias um sentimento de injustiça que não consigo superar ou fazer com que se evada da minha mente. Julgo que, desde que nasci, fui colocada numa casta silenciada e de lá não consigo sair. É como se tivesse escalado até ao limite mais alto e que, o fosso que se interpõe entre o local onde estou e o patamar para onde pretendo ir, fosse maior que a minha flexibilidade pudesse aguentar.

Toda uma sociedade em tumulto! Teremos de abdicar dos subsídios, muitos, das suas mordomias ou reformas vitalícias que, por si só, pagariam os subsídios aos demais... e dei então comigo a pensar no seguinte: escolhi ser professora (mas agora que penso, acho que essa decisão me perseguiu, para bem ou para mal). Não consegui ainda a estabilidade de muitos, como é óbvio, porque ainda não cumpri assim tanto tempo de serviço, mas, sem maior sucesso na procura de outro tipo de empregos (leia-se: todo o tipo de empregos).

Pouco tempo depois, acomodei-me à ideia do sacrifício: que teria de ser assim, para alcançar fins maiores... Outra vez o fatalismo árabe ou até mesmo a utopia religiosa da auto flagelação como caminho para um paraíso que mais se parece, nos dias de hoje, com o Inferno de Dante. Mas o facto de termos direitos expressos em código de trabalho e na Constituição Portuguesa, como são o caso da indemnização por caducidade e os subsídios, tranquilizava-me a mim e à minha carteira.

Porém, recentemente, é-nos anunciado um fatal destino ditado pelo OE/2012 e comecei, definitivamente, a fazer as contas.

SITUAÇÃO HIPOTÉTICA:
(Hipotética porque ainda não tenho colocação e não posso tomar um exemplo real)

Sou colocada perto de casa (que para mim é a distância a que estive no ano anterior - 40km) com um horário completo numa substituição por maternidade (na melhor das hipóteses), ou seja, um contrato bondoso de 5 ou 6 meses (isto se não se sobrepuser a Julho e Agosto, porque o senhor Crato não nos quer lá nessa altura).


1373,13€ (valor bruto, sem descontos) X 6 = 8238,78€


Ora, como não tenho direito a mais subsídio nenhum e como já estamos quase no fim do ano e nem sequer prevejo uma colocação breve (e julgo que para o ano seguinte, a situação estará pior), posso partir do princípio que, em 2012, como uma portuguesa precavida, tenho de fazer render este vencimento por 12 meses (isto sem contar com os 200€ de gasóleo mensais, a pobre alimentação e a merda das SCUT, imagine-se quem tem de se mobilizar para fora de casa e para além das contas na sua morada original, ainda tem de pagar contas numa segunda morada, como eu não faço isso por falta de retaguarda económica, só posso equacionar esta situação). Portanto, pontos nos "is":

8238,78€ / 12 = 686,56€

Ora, com base nesta situação hipotética que, muitos dos meus colegas sabem afirmar não ser a pior de todas que podem calhar em rifa (baixas de um mês seguidas de azares em bolsa de recrutamento - por azares, entenda-se compadrio -, etc), eu chego à conclusão que, como funcionária pública, o Estado não irá efetivamente pagar-me mais de 1000 euros mensais (isso só acontece se nos cingirmos aos meses em que, de facto, trabalhamos, pois o Estado não tem obrigação nenhuma para com um contratado que, tanto quanto sabe, num ano de trabalho pode até só ficar um mês colocado).

Gostava então de saber se alguém sugere soluções para explicar, ao Sr. Nuno Crato e companhia, a situação que já não é precária, mas miserável, dos contratados que, como eu, anseiam uma substituição por maternidade ou doença prolongada (com todo o respeito pela parte lesada). E fazer-lhe as contas para, se identificar que, teoricamente, não ganhamos mais de mil euros por mês, era bom não era? 

Será que quando apresentar o meu rendimento bruto (brutalíssimo!!!!) em modelo próprio de IRS, as finanças me pagarão os subsídios de Natal e de Férias que ficarão em dívida nestes próximos dois anos, face aos meus rendimentos? 

Agora num tom menos jocoso, há coisas incompreensíveis... Mas representamos o mais baixo de todos os escalões na hierarquia da docência e, muito provavelmente, e em comparação com outros membros activos da sociedade, não tardaremos efetivamente a ser uma das camadas mais baixas da sociedade. O silenciamento que nos cala, é pior do que uma repressão ou uma mordaça em torno das nossas bocas... é a total ignorância e desrespeito por uma situação muito específica desta nossa profissão, onde, para exercê-la, perdemos dignidade e não somos protegidos por um Estado que se auto intitula de Social/Providência. Dá-me a impressão, inclusivamente, que ainda ninguém se lembrou deste pequeno pormenor que aqui expus. Porque quando falamos em funcionários públicos, falamos de uma generalidade de profissões liberais em que quase não se praticam os contratos a termo indeterminado, salvo as exceções que já estarão previstas, mas que, convenhamos, não se repetem com a mesma intensidade. Enfermeiros têm contratos de 1 ano, policias, médicos, administrativos, etc. Eu, concorro para horários temporários, como muitos, porque de outra forma não lecciono, mas isso implica que, muitas vezes 1 mês, 3 meses, 6 meses, sejam o nosso tempo de trabalho durante um ano letivo... mereceríamos uma pequena ajuda, um incentivo, para que eventualmente não olhem escandalizados para os professores dos seus filhos quando souberem que dormem no carro, que não almoçam ou comem uma sandes trazida de casa e, muito provavelmente, proporcionada pela mãe ou pela sogra em título de solidariedade. 

Junte-se à situação hipotética que expus, o facto de tão pouco tempo de trabalho não representar prazo de garantia para acesso ao subsídio de desemprego e de não termos uma indemnização ou mesmo um subsídio para garantir que, no primeiro mês sem vencimento imediato, nos consigamos deslocar para a escola, alimentar e pagar as nossas contas. Junte-se ainda o sofrimento de famílias em que ambos os cônjuges são professores ou ainda, onde os filhos lutam para ter acesso a bens essenciais (sim, há professores contratados que não puderam esperar o vínculo em prol da biologia humana e dos relógios biológicos, que, infelizmente, não param).

Quando falava em sacrifícios na carreira, nunca pensaria eu que teria de perder a minha dignidade para exercê-la. É uma reflexão que a sociedade terá de fazer, pois nós somos os futuros desgastados, deprimidos e revoltados mentores de uma geração crescente... pergunto-me eu: será isso que nós queremos?

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